sexta-feira, 22 de março de 2013

Aurora Boreal

Não há nada nessa vida que não caiba num haikai, numa foto ou num abraço.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Cabeça de reticências

            Na minha casa, sempre fomos muitos. De filhos, meus pais tiveram três. 1990, 1991 e 1992. Eu, a última e única menina, sem privilégios, sempre fui tratada por igual – o sonho de muitas feministas e o meu pesadelo. De primos que se parecem irmãos mais velhos, tínhamos um casal.
Todos os anos, exatamente na mesma época de nossas férias escolares, meus pais participavam do ECC - “Encontro de Casais com Cristo”. Eram três dias que passavam fora, voltando apenas à noite para dormir – para eles, alegria; para nossa babá, pesadelo; para nós, diversão.
As coisas mais terríveis nós aprontávamos “coincidentemente” nessa época do ano. Eram pernas e braços quebrados, queixos cortados e infinitos arranhões. Eu, que sempre fui impressionantemente fisicamente flexível, me esquivava desses tipos de lesões. Porém, nunca negava uma boa brincadeira.
Num desses dias, no quintal da nossa casa grande, com todos os irmãos e primos, resolvemos brincar com uma velha caixa cheia de brinquedos. Como a infância faz com gente grande, os brinquedos dos anos que deixávamos pra trás nos acertavam e deixavam marcas – acompanhadas de sorrisos. Mas, como nem tudo são flores, nem tudo ali era brinquedo – “se escondam que eu vou jogar”, gritou o primo mais velho, mas não mais sensato, quando encontrou um pedaço quadrado de madeira. Eu, apressadamente, me escondi atrás da outra caixa que estava no final do quintal e esperei.
Porém, o pedaço do que um dia foi árvore não me esperou. Parecia mágica, ilusão ou mentira (porque milagre não poderia ser): a madeira, ao ser jogada, fez uma curva e uma de suas pontas me acertou à cabeça. Desde criança, aparentando ser forte, sem lágrimas nos olhos, disse “tudo bem” enquanto todos me olhavam com olhos arregalados e tentavam me fazer crer que dali saía sangue. Ainda incrédula, passei a mão no lado esquerdo na cabeça, olhei e a vi completamente ensanguentada. Fez-se, então, o desespero de uma criança no auge dos seus cinco anos. Mais rápida que ambulância, minha mãe chega em casa e me leva para fechar a cabeça. Foram precisos três pontos, uma lágrima e um sorvete de baunilha.
De lá pra cá, em nossas discussões, quando o sangue sobe à cabeça, a lágrima fica prestes a sair dos olhos e o sorvete fica pra mais tarde, não param de usar o argumento que tenho a cabeça fechada.